quarta-feira, 26 de junho de 2013

real no monte, real no porte e na elegância.

    desfazia asfalto sem vontade de voltar ao local de onde partira. em trabalho. desfazia os nós, desviando-me dos buracos e atenta às curvas de uma estrada quase desconhecida. era hora de apaziguar a fome que me consumia o estômago e em boa hora me enganei no caminho que continuei, janelas fechadas para sentir o máximo fresco do ar condicionado do carro.
      lá fora, um sol a trinta e tal graus derretia qualquer intenção de passeio. para mais sem companhia que não se cingisse à última Evasões, comprada na véspera. parei uns tempos à frente, no centro de Monte Real, frente ao elegante edifício rosa, alinhado na sua arquitetura moderna do início do século passado. Palace de Monte Real, indicação cimeira do monumento termal.
     brilhante inquietação! subi a escadaria, entrei na renovada sala de refeições, pude escolher uma mesa estratégica à apanha do movimento e ao discorrer da minha imaginação e só depois de me sentar, então olhei para o lado esquerdo, descobrindo-me sentada, uns quarenta anos mais à frente mas a mesma capacidade de apreciar cada segundo da vida, cada golfada de ar que me entra nos pulmões. 

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Ella.

   ella tomou-se de amores. sem querer, sem que o tempo desse o valente empurrão, acordou uma noite a pensar nele. sem que o tempo lhe permitisse a racionalidade habitual. ella que nem gostava dele. ella que elevou a voz para que ele a ouvisse, rezava agora para que ele a não escutasse. ella soube de tudo isto no primeiro tempo do verão, que se seguiu após uma primavera pouco abençoada. 

quarta-feira, 19 de junho de 2013

janelas que nunca se fecham.




negociar a liberdade. 
quando duas aves diferentes voam juntas, para que o voo as mantenha unidas, é importante que se façam cedências. que se descanse em conjunto, aprendendo com a outra espécie a apreciar a beleza onde nem se desconfia que  existe e, sobretudo, a escutar no silêncio do voo da outra. ao longo da jornada é assim que se desbravam cumplicidades e se leva no bolso das penas o melhor que cada uma, inevitavelmente, guarda.
esta é a minha janela livre. nunca fechada. para evitar desfechos trágicos. é tal e qual funciono. 

sábado, 15 de junho de 2013

o quinto império e o mito. a eterna desculpa.


   é o nevoeiro que embacia a força, transfigurando a crença, deturpando a escolha. continuamos à espera desse nevoeiro que nos trará o milagre na figura de D. Sebastião. na prática, é no mínimo irritante. no máximo desonesto. connosco para o futuro. 
   que se estude Vieira ou Pessoa e se enamore a obra e se demore no desatar dos versos, de aplaudir. assim fizeram comigo, em tempos. agradecidíssima agora, não antes. que não se perceba que é este mito e é esta espera que nos tolda o presente, lixa-me a vida.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

receita de quem não sabe cozinhar

ingredientes:

- 4 pessoas;
- 2 latas de conserva de truta fumada;
- sumo de 1 limão;
- cebolinho picado;
- broa de milho;
- uma garrafa de vinho tinto.

juntam-se as pessoas. 
abrem-se as latas escorrendo o óleo. retira-se cuidadosamente a truta para um prato, regando-a com o sumo de limão e enfeitando de seguida com o cebolinho picado. à parte, a broa de milho cortada num cesto. 
serve-se o vinho em copos de balão (ou não). 



esta receita leva selo de garantia de sucesso, atribuído por quem ignora a truta nas peixarias, no mercado e nas casas de pasto.

segunda-feira, 10 de junho de 2013










    um chá para seis. perdida a memória dele reaviviada pela procura de outras memórias fotografadas. sem cheiros a menta. este é um luxo que hoje, depois de passar uma e outra imagem, senti que podia nunca chegar a repetir. os mesmos seis, que agora são novamente seis escaparam por meses, tremidos na maturação. que se ultrapassou. e a comemoração veio há três dias, numa noite que se fez especial, com os amigos como prova da afetividade latente. 
   agora, em atos contínuos de fecha e abre ficheiros para encontrar aquele vestido verde que havia fotografado  há quatro anos numa montra da via dei condotti, em roma, tropecei no aroma da menta e na tarde que o degustou e que findou o chá das cinco com aqueles seis, em brinde de champagne. uma antecipação da comemoração pela coragem que se haveria de encontrar anos depois.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

presente e passado

   nunca falo do meu futuro. quero dizer publicamente. quero dizer, raramente falo do futuro, do que farei, de como serei. publicamente. para não gerar compromissos e, muitas vezes, decepções nos outros e em especial, em mim.
  falo sempre do futuro em privado, nas conversas com os amigos, estabelecendo  alianças que tantas vezes se quebram à vista, deixando-me envergonhada. "pela boca morre o peixe, minha querida". morri tantas.
   estou num xitex a ponto de me parar o cérebro, não me apetecer comer, trabalhar ou correr. este ano decidi conceder-me férias iguais às do funcionário público que também já fui, condição que me deixou saudades zero. se nos outros anos andava de língua de fora por estas alturas, posso garantir que hoje, a meio do ano, ainda não vacilei a ponto de me projetar num futuro próximo - daqui a dois meses, no sítio do costume. quero dizer que estou fresca e arejada. sem precisar das ditas que de hoje a quinze dias tirarei, anotando no meu mapa de férias mais uns dias ao calendário.
   partirei, assim, em viagem pela costa alentejana, nesta carrinha, sonho eu, sem horários, marcações de pensões, itinerários definidos. sem despertador. com a qualidade que tenho em mim mais do que assumida e que é o improviso. sei que serão quatro pôr do sol maravilhosos que é a única coisa no mundo que temos certo como magnífico. vinho tinto, pão alentejano e umas conservas portuguesas, do topo de uma falésia,  a ver o sol escurecer, descer, descer e mergulhar no Atlântico.





segunda-feira, 3 de junho de 2013

da (minha) felicidade

instalação de vídeo por Marijke Van Warmerdam - serralves 2012.

instalação de vídeo por Marijke Van Warmerdam - serralves 2012.




felicidade é fazer o pino na parede.

felicidade é ensinar os meus filhos a fazerem o pino nas paredes de casa e ter ficado com elas pintadas com uma barra azul das meias que eles usavam.

felicidade é ir a uma exposição desconhecida, só porque me apeteceu ir a Serralves, conhecer uma nova artista e interrogar-me "onde é que eu já sonhei com isto antes".

felicidade é andarmos neste mundo com lucidez suficiente capaz de organizar estes fragmentos do quotidiano e conseguir dar-lhes alma.

felicidade é criar.

(inspirada neste maravilhoso felicidário).