segunda-feira, 30 de setembro de 2013

um filme que cheira bem

      gosto muito dos sítios que cheiram bem, de pessoas que cheiram bem, de desenrolar as minhas pachminas do ano anterior porque cheiram bem. viajo para trás no tempo e o primeiro cheiro bom que reconheço na minha vida é o do chá de camomila, que perfumava a casa da figueira da foz ou quando nessa cidade éramos recebidas em casa da amiga da mãe que gostava de gatos e, por isso, colecionava na sua saleta um interminável número de objetos felinos, que por vezes nos deixava pegar. essa é a minha primeira referência. algo vaga. porém forte.
 
   
 
  

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

justamente

     a quebra do verão atrasou-se dois dias e chegou hoje em chuvinha desorientada. eu gosto da cidade no inverno, quando me recolho agasalhada nas casas que me aconchegam. os melhores brunch de sempre, os sábados e domingos de corrida na mata do choupal quase só para mim. os museus revisitados. as idas à baixa escura e melancólica onde me perco como se a cidade me fosse nova. os jantares encharcados e o bronze perdido à renovação da pele fresca e debotada e o meu cabelo no ar, à laia da humidade esquecida. outras rotinas. outras folias. e alguém que vai chegar e faz, assim, alargar a família. 









     





o melhor brunch de sempre aqui

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

voltei por necessidade de voltar e voltarei pela mesma razão.
  nada de racional há nisto. nem consta que tenha de haver. 


























quinta-feira, 19 de setembro de 2013


   
 acho que me detive, muito quieta alcançado o último degrau que me deu acesso ao mezzanine poeirento e mal iluminado a não ser pelos olhos claros, límpidos e meigos para onde nunca olhei quando escutava as suas composições.
      trouxe-o para casa para lá do tamanho real, debaixo do braço, meio tombado, carcomido nas extremidades do retrato colado na tábua de contraplacado naturalmente barato. trouxe-o porque me apaixonei.

     agora olho para ele quando entro na minha sala com uma sensação que é ele que me segue os movimentos com o seu olhar fixo que há-de ter tanto para lá da magnífica cor dos seus olhos.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

a beleza absoluta

"O Doiro sublimado. O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à força de se desmedir. Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso da natureza. Socalcos que são passadas de homens titânicos a subir as encostas, volumes, cores e modulações que nenhum escultor, pintor ou músico podem traduzir, horizontes dilatados para além dos limiares plausíveis da visão. Um universo virginal, como se tivesse acabado de nascer, e já eterno pela harmonia, pela serenidade, pelo silêncio que nem o rio se atreve a quebrar, ora a sumir-se furtivo por detrás dos montes, ora pasmado lá no fundo a reflectir o seu próprio assombro. Um poema geológico. A beleza absoluta."




























segunda-feira, 9 de setembro de 2013

    subir o Douro e descê-lo é o perigo maior que se pode experimentar.

    chega-se carregado de cestas de emoções trocadas às linhas tortas que julgamos saber endireitar.

  o Douro é contemplativo e um colosso de terra quente a que se amarram as vinhas poderosas encaixadas à força pelo trabalho do homem. esconde segredos que lá ficam agarrados às videiras como os cachos das uvas pendurados, em espera lenta pelo tempo de maturação. 

    o Douro encosta-se ao ouvido e arrepia-nos a espinha de paixão.  





quarta-feira, 4 de setembro de 2013

a pureza dos sentidos e a esquizofrenia do momento.

     era por causa da música clássica que ela gostava de ali parar. 
   
   sentiu-o hoje, logo se sentou numa das alvuras cadeiras brancas. tudo ali é branco, como ele, neutro, como ele. houve uma suspeita que a tomou por muito tempo. que ali parasse outra. não a outra. mas outra. outra ligação, que não esta música, que o amarrasse àquela serenidade que sabia nunca lhe poder dar. era ali que ele sempre lia os jornais de fim-de-semana e o das letras que comprava a cada quinze dias, aproveitando para respirar o fresco do Tejo,  pela manhã, a três metros de distância. 
    bastou que ela se fartou de não saber o que o esperava sempre que ele descia a avenida até Belém, direito à esplanada. e, num daqueles dias, agarrou nos sapatos menos confortáveis, depois de vestir o vestido quase transparente, deu um soltar de cabelo por trás da nuca que segurou, onde depositou o perfume que nem usava, parecendo-lhe aumentar a segurança, segurar-lhe a impulsividade. estava, porém desgovernada, quase capaz de bater a cada janela da vizinhança, anunciando a decisão, desnorteada dos seus movimentos, dos guinchos que lhe saíam da boca sem saber da sua insuficiente razão.      
    desligou o botão da aparelhagem e saiu, deixando a porta entreaberta, em passo demasiado acelerado em contraste com o porte altivo de que diariamente padecia.       
      rebolou avenida abaixo, estatelando-se à porta da esplanada, uma perna para cada lado e o carrapito era já um novelo de cabelos desalinhados à esquizofrenia dos seus pensamentos suspensos.