segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Henry e essa coisa de sonhar arquitetura.

     também eu cheguei ao Big Sur. mas setenta anos depois e já não montada nas laranjas de Jerónimo Bosch que, essas apesar de não ter cansado o olhar de tanto observar estática e petrificada as cores do tríptico guardado no Prado e por duas vezes em dez anos, guardo singelas e sumarentas mas para outros sonhos e núpcias, ainda que em vão.

     cheguei, ferida aberta no peito, alheia à causa que me trucidava o órgão maior e centrada na casa que sabia destinada ao meu futuro próximo. era aquela que mais uma vez criava a partir do REM e do RAM e dos devaneios da incompleta loucura. outra construção. outras linhas. nova casa.

     diferentes linhas, inseridas agora numa nova e inteira paisagem, fresca no tato ao passar-lhe os dedos pela superfície porosa da parede da entrada, tudo o que a compunha, mais madeira do que cimento, deixava em suspenso a impossibilidade prática da mudança. ou a fraca vontade de uma entrega. 

     não é já em mim estranho este resonhar uma certa arquitetura, desenhar num plano inconsciente  uma planta em diversas assoalhadas, onde se depositarão depois plenas vivências, num outro ponto que não me responsabilizará. 

     tudo nestas parcas horas de descanso é amplo e luminoso, livre e excessivamente leve. 
                                              Henry Miller

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

ouvir enquanto se vê. muito alto enquanto se olha.










Tel Aviv, dois mil e catorze.


















































wait

Send your dreams
Where nobody hides
Give your tears
To tide

No time
No time

There's no end
There is no goodbye
Disappear
With the night

No time
No time
No time

No time
No time
No time

M83

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Patrick Modiano


     recolhido em casa e não lido, exumado da terra dos meus mortos que me fazem viver. os livros não são papéis pintados com tinta. recolhem de nós toda a intimidade e fazem de mim a mais exigente parteira na hora de os ofertar aos amigos.

sábado, 11 de outubro de 2014

eternizar o instante.


 conheceram-se nas margens do rio de uma grande cidade. rodeados de turistas ávidos de provas fotográficas eternizadas em sorrisos forçados e observados pelas torres góticas da catedral elevada.  todos os dias se cruzavam no início da ponte, nos caminhos diferentes que percorriam. ela em direção a rive gauche. ele no seu contrário. vidas, decerto, bem diferentes mas despertas no mesmo ângulo de cruzamento de olhares, todos aos dias, às mesmas dez horas e meia. mesmo quando a rotina dos dias assim o não ditava, para não perderem a explosão apaixonada daquela troca de olhares diária, sem combinarem, àquela mesma hora das dez e trinta da manhã cruzavam-se. demoravam-se nesse cruzamento antes e depois por se perderem um no outro em pensamentos loucos e cada vez mais ousados. assim era com ela, assim foi com ele também. nunca ousaram, contudo, ir  além desse instante nem pensaram que o sentimento fosse tão recíproco quanto genuinamente apaixonado. 

     dez anos mais tarde, quando a idade a amadureceu e lhe deu a coragem que jamais imaginara conseguir ter, percebeu pela leitura durasiana todo esse enredo emocional fatigante que lhe deixou marcas profundas e que ainda hoje a não deixa, por vezes, dormir. 







  

terça-feira, 7 de outubro de 2014

a ousadia clara da partilha


comunicar com as palavras e os silêncios.


o princípio (da incerteza) do fim

      a tristeza que é ir partindo ou partir estando cá. o espírito sucumbir à matéria. a transformação lenta num outro. o espanto da irreconhecível figura que se lhe habita. o sofrimento de quem se vai desligando e de quem acompanha a partida. nada pode ser adquirido como eterno. valha a força da mão que ampara a viagem tornando-a mais doce, menos arrancada. 
      julho 2012.