terça-feira, 8 de julho de 2014

     eu sei que ele nunca me vai ler. a não ser que me leiam para ele. e será outra coisa dado que só o sorver das minhas palavras pela sua leitura conseguiria permitir que soubesse que seria sempre isto que eu diria, por me ouvir através dos seus olhos inclinados sobre o meu texto.
   francamente nem sei se alguma vez imaginou que o pudesse fazer, uma vez que quando nos conhecemos nem tudo foi denunciado, eu perdida nas gargalhadas que dava pela forma tosca e rústica dele se apresentar ao mundo, ele fascinado com a espontaneidade e loucura que, dizia-me muitas vezes, descobrira naquela que ele julgava afinal outra. 
    e fomos amigos alguns meses até que o tempo afastou a presença física e os telefonemas se foram esfumaçando. não sei quando deixámos de saber um do outro mas tenho presente o dia em que soube por uma amiga da irreversível cegueira que lhe consumiu a vontade de viver e o votou para um quarto de onde sai a muito custo. 
     por vezes esta forma escura de ele estar no mundo assola-me como uma culpa que sei não ser minha e chegam-me à memória outras culpas. outras histórias. outras vidas. 



Nenhum comentário: