sexta-feira, 12 de setembro de 2014

"o azul do céu

as cores desapareceram do céu. Os dias tornaram-se estreitos e a noite, que é sempre a mesma, mais escura ainda. O sol já não nasce nem se põe da mesma maneira. A lua perdeu a poesia mal foi manchada por passos humanos. As palavras ouvem-se baixinho. É preciso recomeçar tudo pelo princípio. Os sorrisos só existem em fotografias. Já não cheira a mar, nem se sente os dedos atravessados nos cabelos. Só existe aquela voz que grita sem parar aos meus ouvidos sem que nada se entenda. Há um corpo que não consegue encontrar um rumo. A minha alma ficou perdida numa gaveta e não a quero encontrar. Não saberia por onde começar. É como se tentasse explicar o que ninguém consegue entender. Quanto mais eu, outra e outra vez. As coisas esqueceram-se do seu nome. Os rostos abandonaram os corpos de mulheres e de homens. O que existiu, afinal, não existia. Aquele sentir que não disse que ia chegar, que não avisou,  não deu tempo, não quis saber se era bem recebido. Simplesmente apareceu, ficou e agora não quer ir embora, tal visita que não percebe quando está a mais. Onde estás tu, para que me veja?"  


      Pedro Paixão, O céu na boca.


    


     ontem  demorei-me a soltar os lençóis de cima do meu corpo mole, votado a um vazio experimento pela primeira vez. depois de um duche mais frio que o costume, desci todos os degraus do prédio para entrar na garagem e recolher a minha bicicleta. pedalei toda uma manhã sob ameaça permanente de chuva, antecipando o cheiro da terra molhada que vim a sentir durante parte da tarde em que não estive sentada na cadeira do meio, na sala de cinema. e comprei mais um livro.
     ontem quis demorar-me a perceber o sentido da minha vida a partir da passada segunda -feira. só ontem tive tempo para isso. mas esse tempo de ontem não me chegou.



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