quinta-feira, 19 de dezembro de 2013


    
     estava no Brasil quando percebi a sua morte que calou por cinco minutos, talvez, o desassossego em que me encontrava. a vida de muitos anos trazida por quem preenche ricamente o presente nunca é longa demais. partir deste mundo é, para quem aqui fica e em manifesto ato de egoísmo, uma enorme injustiça.
     Nadir Afonso faz parte da minha vida há muito tempo por ter as paredes de casa dos meus pais pintadas na medida do seu grandioso talento. recebi depois, num longínquo natal, já casada, de presente do meu marido uma serigrafia dele, Nadir, que me deixou embargada.
     hoje sonhei com ele. vivo e a pintar. ao meu lado. numa casa atelier projetada sobre um imenso areal que morria no mar. uma casa circular, como uma tenda de circo, preenchida pela parafernália de instrumentos que a ocupavam, passou naquele tempo de convivência sonambular a ser minha também.
     havia sido contratada como sua assistente sem perceber porquê, se os pintores não têm assistentes e eu, ainda por cima, com uma família em minha casa, à minha espera e uma profissão para continuar.  não haveria disponibilidade para lhe passar os pincéis e limpar toda a tinta do chão que tombava, via eu muito bem, a partir da  pequena escadaria bem no centro dessa casa. tudo branco e rosa. aquele rosa da serigrafia onde ele se eterniza na minha sala.
    há também diálogos maravilhosos que fomos tendo nesse percurso noturno em vez de observações silenciosas que muitas vezes os meus sonhos têm.
    talvez tenha sido a minha homenagem a uma forte figura de aparência frágil que a arquitetura transferiu em singular beleza para a pintura.
   
     e acordei assim, cansada.

Um comentário:

Anônimo disse...

Tem obra em Coimbra e teria uma fundação projectada por Siza, se vivesse o suficiente para a ver de pé -lá se levanta, com beleza, em Chaves, a prometer imortalizar o artista.