quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

     contei aos meus filhos que com sete anos já ía ao cinema sozinha, no cine-teatro, ao domingo, em Tomar.
     quando na escola primária tinha o azar de não ser a contemplada no sorteio semanal, com o bilhete da sessão de cinema de domingo às onze da manhã, os meus pais davam-me os 80$00 para o comprar na bilheteira e com instruções precisas para não comer batatas fritas no intervalo porque depois não almoçava (e eu lá aceitava, nem sei como).

     a independência era enorme. saía de casa de manhã, descia a alameda, atravessava a ponte velha, percorria a corredoura pelo passeio (na altura ainda havia trânsito), chegada à praça da república virava à esquerda e depois era sempre a direito até encontrar um mar de miúdos cheios de sorte, como eu. ou porque lhes tinha calhado o bilhete (o senhor Jaime de Oliveira fazia chegar bilhetes a todas as escolas primárias e que eram três só na cidade) ou porque também eles o compravam. era um privilégio. agora, sei bem. quase sempre levava a minha irmã pendurada com quem, na altura, as relações não eram lá muito amistosas. hoje somos as maiores amigas.

     aquele caminho era uma aventura de kilómetros e kilómetros (não chega a um) e assim o fazia para lá, também o fazia para cá. por vezes os pais surpreendiam e esperavam-nos no fim da sessão. outras vezes íamos ter com eles ao café paraíso, onde cheguei mais que uma vez a encontrar a Beatriz Costa com uma franja que eu admirava mais do que a própria atriz que, dada a minha idade, nada me dizia. lá íamos todos. entretanto os meus irmãos mais novos começaram a fazer parte da rotina culural e com eles aquilo era um pandemónio. viam cinco minutos do filme. o resto era passado por entre corredores a fugir às senhoras que tomavam conta dos camarotes e da plateia.

     depois de lhes contar como  foi ser criança habitué do cinema em Tomar, o mais velho, dez anos feitos em setembro, muito atento a todo o desembrulhar das peripécias cinematográficas que lhes ía desvendando, perguntou-me se também ele podia ir  com os amigos na próxima sessão sem a presença daquela que lhe indica sempre o lugar e lhe leva as pipocas enquanto ele percorre o caminho em rodas sucessivas, pinotes e cambalhotas, como se fosse afinal ao circo.

     ainda não lhe respondi.

Um comentário:

Anônimo disse...

É o risco de contar uma realidade tão distante do presente, em que a independência existia porque a segurança era 2mais segura2 e os quilómetros de uma cidade pequena eram diferentes dos metros de uma grande cidade. Parece que a resposta vai ser...essa... hás-de ir...um dia...!