mas quero os meus com esta coragem, esta bravura, esta determinação.
não há palavras que descrevam o que se vê nas imagens e o que senti quando, empoleirada no farol da nazaré, em comunhão absoluta de silêncio com dezenas de curiosos desconhecidos, ouvi apenas este imponente pedaço de mar agitado que a cada onda desfeita nas rochas, solta o estrondo e, em ronco severo, impõe o maior dos respeitos, fazendo muitos baixar os olhos e rezar.
segunda-feira, 28 de outubro de 2013
aqui está um sítio mágico por parecer longínquo. belo em qualquer parte do mundo. aparentemente inacessível. surdo. clorofilino demais que deixe indiferente qualquer corpo que nele entre. é como entrar pela boca, noutro corpo e agitar com a entrada as folhas cimeiras com um exclamado "ohhh!". nunca é de outra forma. por ser sempre surpreendente.
é neste corredor que me sinto superiormente viva e onde me diluo na urbe animália que o compõe e de onde só me apetece sair a voar como uma borboleta, clamando a liberdade de ali permanecer eterna.
mata do Bussaco, em dia de pic-nic. dois mil e dez.
quinta de s. jerónimo. Coimbra. dois mil e doze.
quinta de s. jerónimo. Coimbra. dois mil e doze.
quinta de s. jerónimo. Coimbra. dois mil e doze.
baixa de Coimbra. todos os outonos.
escadinhas do quebra costas. Coimbra. dois mil e onze.
mata do Bussaco. dois mil e dez.
margens do Sena. Paris. dois mil e onze.
mãe na rive gauche. Paris. dois mil e onze.
jardim das tulherias. Paris. dois mil e onze.
parque verde do mondego. Coimbra. dois mil e nove.
terça-feira, 22 de outubro de 2013
quem disse que a melhor forma de juntar seis meninas que hão- de desbravar as alegrias do Rio de Janeiro em Dezembro não é em volta dos aromas do chá quente e de uma fatia de bolo de canela?
a caipirinha e o quindim de coco que nos aguardem.
num quarto andar - quer-me parecer - de um prédio de benfica ouvi pela primeira uns sons que revolucionariam a minha capacidade de entender a música. a mudança deu-se aí, no quarto das miúdas desse quarto andar, quando estas e outras duas miúdas, todas convencidas do seu lado cem por cento hippie, furavam orelhas umas às outras, bastando para isso uma agulha de costura e cubos de gelo que encenassem a anestesia. e um maço de tabaco de mentol engolido à mesma cadência com que engolíamos as músicas da cassete que se apresentava - pixies e o seu álbum bossa nova.
desde esse momento, bem gravado na minha memória, a aparelhagem do meu quarto no primeiro andar da alameda consumiu todos os álbuns dos pixies que pôde. sofregamente, a uma velocidade maluca de ouve, enrola e desenrola fita. e vai mais um disco, grava por cima do que puderes, sobrepõe o punk rock da tua vida às óperas da vida do teu pai. e deslumbra-te, ana luísa! a tua adolescência está a começar.
os pixies marcaram os anos em que as hormonas se apresentaram à vida em estado permanente de ebulição. dos que nasceram nos setentas e para cima de quatro e de quem descobriu naquela sonoridade melódica mas bruta, a passagem para o paraíso.
seguiu-se nirvana, mas isso é já uma outra história. uma outra paixão.
quinta-feira, 17 de outubro de 2013
A Mulher A Casa
A casa é viva (A mulher dorme) Dorme na espuma nas cores puras Dorme na espuma do silêncio
Planos brancos e cores lisas
Dorme no vidro tranquilo
A casa é branca É mais branca no silêncio É mais branca entre árvores
A própria cidade é branca
A varanda é nua A mulher é nua
Da casa branca vê-se o mar o fulvo dorso da praia nu
mulher de areia deitada e panda na frescura azul
Uma vela branca de minúcia fresca
dá ao olhar a brisa dá ao silêncio o mar
A mulher dorme viva na espuma do silêncio
A cabra cheirou a casa cheirou o branco
O puro nó do silêncio
Chego em silêncio à mulher viva dormindo
A casa é ela em espiral rodando branca
É fino o ar quase sem pó Uma árvore dá uma curta sombra
Uma brisa lava a casa fresca
A varanda nua é seca e branca com sede de mar. António Ramos Rosa, in voz inicial (1961)
ainda assim valeu bem a pena visitar-te, apresentando-te aos pequenos que se espantaram com os pregões e os mimos com que as senhoras cuidavam a mãe. minha joínha! ó môr! ó riqueza! assim dito, com a força do sotaque do norte.
no 130 da Rua do Arsenal, em Lisboa, nasceu uma loja de conservas. a Loja das Conservas.
sou fã de conservas desde que, aberta uma lata há uns anos, descobri que a cavala pode ser um pitéu em tudo diferente daquela que se cozia em casa dos pais, servido nem-sei-bem-com-que-acompanhamento. à semelhança de tudo o que se apresentava à mesa, era obrigada a comer. nem que isso representasse uma tarde em frente ao prato a aguá-lo com lágrimas sentidas de manifesta repugnância.
da cavala segui o rasto dos diversos atuns, passei à truta, ao bacalhau, ao carapau e só não me meti ainda nas enguias. juntei-lhes saladas, marinados e as ervas aromáticas plantadas por mim. e hoje a minha despensa é uma paleta rica de sabores portugueses prontos a partilhar.
não me lembro de ter ouvido esta canção no concerto do Jorge Palma o ano passado, no TAGV.
somente agora, que a oiço em modo repeat, encontrei a explicação.
pois bem,
achei apropriado levar os dois miúdos cá de casa, sete e nove frescos e pujantes anos. entre a nona e a décima canção engalfinham-se um no outro, desatando à cacetada. nunca visto. fiquei envergonhadíssima e capaz de entrar na briga contra os dois. "quando é que isto acaba" "quando é que isto acaba", foi o que deles mais ouvi.
como se não bastasse ter uma bancada inteira do camarote a assistir a uma briga de infantes irmãos, na cadeira ao meu lado, um jovem senhor cinco a seis vezes o meu tamanho em toda a escala, desbravava uma batalha consigo mesmo, em tentativas inúteis de segurar os efeitos danosos dos gases que lhe íam saindo sabe deus por onde. desde que se sentou e assim que se levantou. mais uma vez envergonhadíssima, solidária com o pensamento (é certinho) de todos aqueles que o ladeavam: "espero bem que não achem que fui eu".
não estavam reunidas as condições para eu poder dizer, sequer, que fui ao concerto do Jorge Palma pois foi como se não tivesse estado lá.
como é possível não viver sob a musicalidade que as cores transmitem e ignorar que se sente nas linhas retas e circulares que formam os ângulos da vida a influência do dia a dia?
poderemos nós acordar em mi bemol ou fá sustenido e sentirmo-nos nesse dia mais direitos e eretos, clássicos portanto, por oposição aos dias em que nos levantamos sob a égide de tríades, acordes de dó maior e enrolados numa valsa desconjuntada de movimentos corporais descoordenados mas tão mais desinibidos?
o Porto tem um de vários segredos que gosto amiúde de espreitar. fingindo que há um fato para criar à medida das minhas ancas flausinas, justo o suficiente que as disperse dos olhares, alongando-me utopicamente a altura que consta do meu documento de identidade, bato três vezes com os nós dos dedos da minha mão na porta da rua da casa, outrora jóia de família, granítica e forrada a azulejos verdes. três vezes que me sabem já de cor e reconhecem a pontada seca dos ossos que os chamam lá de cima. a bem dizer há a campainha, ouvida se marcada previamente a visita avec le createur.
vai também assim o Porto, exportando ideias únicas que o sul nem se atreve a merecer ter.
clicar em baixo é entrar sem marcar. e vale bem a pena a visita.