terça-feira, 27 de novembro de 2012

SETE

   estou numa fase em que assumo de coração aberto que precisava de um ano sabático, de repouso, de procura e de encontro, para voltar  ao ponto em que estou, apenas mais liberta, regenerada e limpa.

   um detox.

   esta necessidade de pausa após intensa atividade apressada  e rotineira, já aparece referida no Alcorão e na Bíblia e, segundo parece, duraria um ano e deveria ser repetida a cada sete, para que a terra se regenerasse, recuperando o vigor e, consequentemente, gerar melhor produtividade.

   pois os meus sete anos chegaram em setembro. há sete anos que faço diariamente duzentos kilómetros (vá, cento e oitenta que entretanto construíram mais um troço a meu pedido). há sete anos que, no meu trabalho, gasto as solas dos sapatos por entre as mesmas divisões, todos os dias. há esses mesmos sete anos que quando chega aquela hora só me apetece comprar um helicóptero (não importa a cor) e voar para casa.

   entendo perfeitamente a secura da terra ao fim de sete anos a mostrar com quantos ciclos se apresenta a melhor alface do universo mas dois mil quatrocentos e noventa e dois dias depois: "agora deixem-me lá aqui curtir o meu ano sabático que  depois a gente vê-se!"

   não há dúvida que eu estou como a terra.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

   nunca houvera, desde aquele aniversário, quem o olhasse à sua passagem. questionou muitas vezes da razão. nunca houvera quem lhe  sussurrasse essa explicação. nem um murmúrio. nem um vento de voz sem som. inaudível.
   uma expressão de vida que se desfez quando completou vinte e três anos e se fechou ao mundo porque o mundo o apagou dos números, empurrando-o para lá da linha, largando-o num vazio de espaço, carregado de sinais trocados, justaposicionados, cruzados. uma confusão.
   sabe que há um antes e um depois mas nunca houvera quem, com tempo, lhe mostrasse a razão da distância de duas vidas que habitaram naquela pessoa que era ele, abandonado à mais difícil das duas, à mais dolorosa das duas, à mais solitária das duas.
   é apenas tudo quanto sabe.

domingo, 18 de novembro de 2012

um adiar (quase) esquecido

    uma frase ensaiada por dois anos: "no próximo flea market do Porto estou lá". pois é, estive ontem. o meu lema do "nunca é tarde" tem-me feito perder muitas e grandes oportunidades de descoberta e que mereciam, se aqui  menos trinta anos morassem, umas boas palmadas dada a preguiça que se instala, pelo adiar esquecido em que tornamos muitos projetos.
    ontem não houve desculpa e a visita que fiz com a minha irmã com o alvo definido - a banca d' O grandioso 31, um projeto interessante de venda de peças retro vintage, muitas com alma kitch, criado por dois irmãos primos destas duas irmãs - deixou-me de boca literalmente aberta assim que, saída do elevador, entrei no círculo do sétimo piso do silo auto.
     eu sei que lisboa é A minha cidade, onde por acaso nasci, mero capricho de uma mãe-que-vai-ter-o-primeiro-filho entre outros pormenores à mistura mas o Porto é, para mim, uma permanente surpresa pela excentricidade latente que faz questão de mostrar, pela vanguarda e singularidade nos eventos que apresenta.
       este flea foi cinzento só porque é de cimento a matéria do silo auto onde ele se expôs e que o deixou nu, fresco e também aberto, graças à arquitetura circular de um produto que parece semiacabado. muito interessante a escolha do local deste flea que, devo dizer, me deixou desconfiada de início.
  

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

todas as cartas serão ridículas?

    desde sempre ou pelo menos desde que me lembro de escrever uma frase inteira com algum sentido,  escrevo cartas. até à adolescência o destinatário cumulava os três tópicos de ser sempre alguém meu conhecido, de quem gostava e que morava longe. 
    o meu avô, que me escreveu a primeira carta quando nasci e as mais bonitas que alguma vez recebi, as minhas queridas tias do porto e do alentejo, as primas que se espalhavam um pouco por todo o país, as amigas que verão após verão colecionava na zambujeira e até, a determinada altura e a fugir desta tríade,  pessoas que nem conhecia de parte nenhuma, quando entrava naquelas correntes dos "amigos desconhecidos" e recebia cartas e postais de todo o mundo. em selos, aquilo devia ser uma renda pesada no orçamento familiar de seis pessoas. a verdade é que os meus pais pouco se importavam. pelo contrário, incentivavam semelhante vício perdulário. 
     guardo muitas das cartas. outras, tenho-as na memória, sabendo-as de cor e aflige-me desconhecer-lhes o paradeiro, adivinhando uma perda irremediável.
    chegada à adolescência, esta troca esquizofrénica de missivas escasseou. as recebidas. as enviadas. o destinatário manteve-se em alguém que conhecia e de quem gostava mas que amiúde estava perto e não já longe. num dos casos estava até bem perto, separada por um muro branco, por alturas de guerras frias. estas cartas, guardo-as todas e releio-as muitas vezes, assim que me lembro e abro a caixa azul de camisa de homem que eu própria forrei a tecido de linho cinquenta e cinco por cento, adornado com um grande laço do mesmo material.  
       continuei aquilo que se viria a revelar, afinal de contas, uma característica minha e que começou a rarear à altura em que passo a ditar ofícios burocráticos que me ensinaram começarem sempre da mesma maneira: "exmo sr., tenho a honra de comunicar a vª exª de que, blá, blá, blá". ó diabo que isto não pode ser bem assim! ora vamos lá dar a volta, na medida do que é possível, a esta grande chatice que é escrever cartas que, vejam só, se chamam ofícios. enfim. continuo a receber muita correspondência mas é só desta, entediante, nauseabunda, cheia de voltas e mais voltas e de "dê érres" linha sim linha não e às vezes com um errozito a manchar o peso da ditadura da lei. não falo de emails mas de cartas, físicas, em linhas escritas no papel, ainda por cima à máquina, deixando apenas adivinhar a letra de quem as enviou pela assinatura que a sela, que com um bocado de sorte é até um carimbo a óleo, mal chapado.
   ainda assim a maluqueira continua e quando recebo o correio diário entregue pela senhora carteira, há uma certa dose de entusiasmo que se desvanece de imediato e ao segundo segundo em que lhe ponho os olhos em cima. isto pode parecer ridículo mas quero crer que não é. estou segura que há comportamentos bem piores. 
    conheci este BLOG há uns tempos, fazendo parte da minha leitura diária e que, em toda a sua extensão interessante, a determinado ponto nele descubro uma rubrica de troca de correspondência.  e é com isto  que me identifico de imediato, porque me lembro de como era. da proximidade que se estabelecia com    a disponibilidade em oferecer a nossa escrita a alguém que estava longe, fora, noutro tempo, noutra vida, diferente da nossa e que era urgente conhecer.
    os selos continuam a ocupar uma boa parte da despesa mensal, agora paga por mim e não há outro remédio. mantenho-me fiel, porém, à pena e confesso que continuo aquela escrita, dirigida, vocacionada mas que o mais das vezes não chega ao endereço definido.
     
    

sábado, 10 de novembro de 2012

é novembro. não é mês de natal.


    a mim só me apanham no natal, imbuída do espírito em todo o seu esplendor mal abrindo o calendário o primeiro de dezembro. gosto pouco de a dois meses de distância já ver luzes a brilhar e cadeiras de pai natal à espera de serem sentadas. até lá vou-me adaptando ao frio e escolhendo a cor das flores da entrada de minha casa e que a esta altura são brancas.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

as leis e os quatro magníficos

     senti ontem o primeiro frio de inverno que chega quando o nariz denuncia um certo desconforto à abertura da porta da rua. às sete da manhã experimento o tempo na varanda de minha casa que dá para um raro pedaço de mata. oiço o chilrear dos passarinhos, inspiro fundo e é o meu nariz que, qual "nez" da alta perfumaria francesa, adivinha a temperatura.
     ontem soube, assim, e desde cedo que se iniciaria esta semana o ciclo da estação menos estimada do ano.
      por esta altura, mas há um ano atrás, estávamos nós, os quatro amigos de faculdade e que se ficaram para toda uma vida, a colar este mesmo friozinho à pele, no mapa alentejano, num fim-de-semana que passou a correr ou soubéssemos nós aproveitá-lo convenientemente. a sensação é essa. soube-me a pouco sabendo ainda por cima que este ano até podemos repetir o aconchego mas apenas três, já que uma voou para o lado de lá do mundo.
     lembrei-me ontem de nós, assim que saindo da cozinha para a varanda, a frescura da manhã me abriu as narinas como se a boca acabasse de chupar um daqueles rebuçados fisherman's friend. tudo ficou claro. tudo ficou limpo. estás com saudaditas! ai estás, estás.
      hoje vim rever as fotografias que tirámos e sorrir a cada gargalhada que ainda oiço e que demos como dávamos, tolos e apaixonados uns pelos outros, convencidos que nada mais havia para além daquela quadratura.
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